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Nova no mercado, Malê promove escritores afro-brasileiros

Voltada exclusivamente a autores negros contemporâneos, editora lançará cinco livros até fim do ano

Vagner Amaro na Travessa, co-fundador da Malê: em busca de bibliodiversidade - Ana Branco / Agência O Globo

RIO — Bibliotecário e produtor de eventos na área de leitura, Vagner Amaro encontrava dificuldades em adquirir livros de autores negros contemporâneos para o acervo da biblioteca escolar onde trabalhava. A instituição já havia dado sinal verde para a compra, mas títulos com esse perfil eram raridade no mercado. Muitos estavam esgotados, sem previsão de reedição — condição que atinge até mesmo obras de escritoras reconhecidas, como Conceição Evaristo.

— Como podia o trabalho de Conceição, uma das mais importantes escritoras brasileiras vivas, estar inacessível para seus leitores? Da mesma forma, escritores negros raramente estavam nos eventos literários que eu frequentava, não estavam nos currículos escolares, assim como não estiveram na minha formação, seja como bibliotecário ou como jornalista, mas até mesmo no ensino fundamental e médio — avalia Amaro, em entrevista por e-mail. — Ou seja, havia um fenômeno que me impedia, bibliotecário e mediador de leitura negro, de conhecê-los.

Quanto mais pesquisava, mais ele constatava que os autores negros ou eram editados por pequenas editoras ou eram obrigados a investir em sua própria publicação independente, o que dificultava a difusão e a reedição de seus livros.

— Percebi que há um desinteresse do mercado editorial pelos negros que fazem uma literatura de resistência, ou de combate, ou uma “contraliteratura”, usando nos seus textos temas como o racismo na perspectiva do negro, que impregnam sua literatura da perspectiva do negro, mesmo quando abordam todos os temas comuns das outras literaturas — diz.


Perplexo com esse cenário, Amaro decidiu abrir uma editora que não apenas desse voz aos autores que ele via à margem, mas que também lhes ajudasse a garantir visibilidade e assessoramento. Fundada em julho deste ano, em sociedade com Francisco Jorge, a Malê já publicou desde então sete títulos. A primeira autora a fazer parte do catálogo? Conceição Evaristo, que publicou seu último livro, “Histórias de leves enganos e parecenças”, pela editora.

Neste mês, em que se celebra, amanhã, o Dia da Consciência Negra, a Malê acaba de lançar mais duas obras: “Esboços de um tempo presente”, reunião de ensaios curtos de Rosane Borges, e “O tapete voador”, novo livro de contos de Cristiane Sobral. Já na primeira semana de dezembro chegam às livrarias a coletânea “12 autoras negras da literatura brasileira atual”, além de dois títulos que estavam fora de catálogo: “Insubmissas lágrimas de mulheres” (2011), de Conceição Evaristo, e “A lei do santo” (2000), de Muniz Sodré.

— É mais difícil para aqueles que se proclamam como negros — afirma Cristiane Sobral. — O meio literário é um espaço de concentração de riqueza e muitos escritores negros são periféricos, não estão nos grandes centros, não têm o capital necessário para desafiar os gigantes editoriais que navegam em um mundo paralelo ao nosso.

Por isso, ela acredita que os escritores negros são ainda mais vulneráveis a um típico problema do mercado editorial brasileiro, a dificuldade de ter seus livros bem distribuídos.

— Muitos deles já publicam, mas ainda não estão nas estantes das grandes livrarias — explica. — Eu tenho um livro que já foi publicado em três edições, com mil exemplares cada. É um sucesso considerando a nossa literatura afro-brasileira, mas uma gota no oceano das grandes tiragens habituais no mercado. Temos uma demanda urgente para encontrar o grande público leitor do país com mais de 50% de pretos e pardos. O universo temático é vastíssimo considerando a cultura negra e todas as suas riquezas, belezas, memórias soterradas, tradições.

PRÊMIO MALÊ TEVE 180 INSCRITOS

Para Amaro, existe um número considerável de jovens que, nos últimos anos, tiveram acesso a políticas de promoção ao ensino superior e que agora buscam por textos sobre esse universo. Muitos estão, segundo o editor, “ávidos por representatividade também na literatura”. A Lei 10.639, de 2003, que obriga o estudo da história e da cultura afro-brasileiras nas escolas, ajuda a gerar interesse na produção de autores negros.

A editora também está criando projetos que tragam a produção de eventos periféricos, como o grupo Sarau da Esquina da Cidade de Deus, a uma cena literária mais ampla. Segundo Amaro, para muitos escritores negros, principalmente os mais jovens, esses eventos são o único canal que encontram para a divulgação de seus trabalhos. Outra iniciativa para a promoção de novos talentos é o Prêmio Malê, que este ano teve 180 inscritos. O vencedor, Jhow Carvalho, e outros nove finalistas tiveram seus contos publicados na coletânea “Letra e tinta”, lançada em setembro.

— O prêmio deu espaço para jovens escritores falarem sobre suas vivências, sobre assuntos que não têm lugar em outros espaços — diz Jhow Carvalho. — Um tema recorrente nos contos, por exemplo, é o genocídio da população negra. Lê-los é pensar como os jovens negros estão enxergando a realidade à qual pertencem.


Fonte: O GLOBO


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