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Percepções acerca do Prêmio Malê de Literatura


No dia 25 de fevereiro de 2016 a Editora Malê lançou seu prêmio de literatura objetivando ampliar as representações positivas do jovem negro, servir de incremento para a reelaboração da sua autoestima e promover a leitura e a escrita. No período em que as inscrições estiveram abertas, duas oficinas de escrita criativa foram realizadas, uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador. O contato presencial e virtual com parte desta significativa parcela da população brasileira ganhou em estreiteza. Foi possível perceber por comentários na página da editora no facebook a insegurança de muitos em divulgar seus textos. Uma pesquisa realizada com os participantes revelou que este foi o primeiro prêmio literários para 64,8% dos inscritos. Destaca-se também, neste percurso, a importância da rede de amigos que, repletos de afetos, incentivaram os que já viviam envolvidos pelo ato de escrever para participar do prêmio. Dos participantes, 33,5% souberam do Prêmio Malê de Literatura através de amigos.

O Prêmio revelou-se uma experiência rica para se pesquisar e refletir sobre as representações do jovem negro na sociedade brasileira. Sabe-se do estigma que recai sobre o jovem negro no Brasil e quanto este fenômeno molda o seu destino. Acrescenta-se que jovens negras e negros, em sua maioria, estão inseridos em uma realidade de grande vulnerabilidade à violência e desigualdade. Para o pesquisador Alexandre Barbosa Pereira há uma tendência, por parcela considerável da classe média, da mídia e do poder público de perceber os jovens pobres a partir de três perspectivas, quase sempre exclusivistas: a do bandido, a da vítima e a do herói. O que ele nos revela é que presos em estereótipos, dimensões da personalidade destes jovens são negadas. Ao citarmos a mídia, vale fazermos uso das asserções de Muniz Sodré quando ele afirma que em um país de dominação branca a pele escura tende a tornar-se um estigma, qualquer diferença pode ser estigmatizada e formar juízos sobre o outro. Desta forma, a mídia e a indústria cultural constroem identidades virtuais a partir não só do recalcamento, mas também de um saber de senso comum, alimentado por uma longa tradição ocidental de preconceitos e rejeições. Para Muniz Sodré desta identidade nascem os estereótipos e folclorização em torno do indivíduo de pele escura.

Pode-se também enriquecer este diálogo com as afirmações de Douglas Kellner de que há uma cultura veiculada pela mídia, cujas imagens e sons e espetáculos, ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O que estes autores nos trazem é que as imagens do jovem negro já se encontram formuladas e que é preciso um trabalho intenso para problematizá-las e desconstruí-las. Neste ponto, entende-se que a Literatura pode ser uma grande colaboradora. Parte-se do princípio de que ler e escrever é um direito e que um maior envolvimento da população jovem negra com a leitura e escrita deveria ser desenvolvida por uma política educacional de qualidade, mas acrescenta-se que ao não se verem representados em determinados espaços e em certas atuações a nutrição dos desejos de crianças e jovens negras é enfraquecida. Como virar escritor sem antes ter se pensado escritor? Como aprimorar seu texto sem ter coragem de mostrá-lo para professores e amigos? No conto Metamorfose, do livro Leite de peito, Geni Guimarães, relata a história de uma criança negra e seus percalços diante das tensões entre ter naturalmente o envolvimento com a escrita e o mundo que lhe dificulta esta prática:

“Devia ser dia dez ou onze do mês de maio. Dona Cacilda, logo após o recreio, disse- nos: – No dia treze agora, vamos fazer uma festinha para a Princesa Isabel, que libertou os escravos. Quem quer recitar? Várias crianças gritaram: Eu! Eu! Eu! Pluft, pluft … meu coração lá foi de novo pulsar na garganta. Era a hora e a vez de expor meu poema. Não podia perder a chance. Mas como conseguir coragem? E se errasse? Assim não dá! -gritou a professora. -Levantem a mão. Levantei a minha, que timidamente Luzia negritude em meio a cinco ou seis mãozinhas alvas, assanhadas. Você… Você. . . Você… Não fui escolhida.”

Reflete-se que se o livro Leite de peito fosse lido nas escolas, em especial nas escolas públicas e se os alunos soubessem que ele foi escrito por uma escritora negra, mais crianças e jovens negros formulariam seu futuro em "atividades intelectuais". A fala da escritora Mel-Adún, na III Jornada Literária de Autoria Negra, denuncia os cerceamentos de que os discursos negros estão lutando por eliminar: “Enquanto mercamos nossos quitutes e delícias não incomodamos ninguém, no entanto tomar posse dessa área reservada aos intelectuais, especificamente homens brancos sulistas e heteronormativos é uma luta antiga – porque não é só fazer literatura, mas é fazer história. É o poder de desenhar o bandido e decidir quem será o mocinho da história".

O Prêmio Malê de Literatura dialoga com todas estas vozes e prepara-se para a fase de avaliação dos textos encaminhados. O resultado será divulgado no dia 7 de julho e em setembro será realizado o lançamento da coletânea. Fazemos uso das reflexões da pesquisadora Regina Dalcastagnè para encerrar os diálogos deste texto, quando ela afirma que precisamos de escritoras e escritores negros porque são eles que trazem para dentro de nossa literatura outra perspectiva, outras experiências de vida, outra dicção; de negros e negras moradores da periferia, trabalhadores e trabalhadoras escrevendo, não para fazer relatos de suas vidas, mas para que sua imaginação e sensibilidade deem forma a novas criações, que refletirão, tal como ocorre entre os escritores da elite, uma visão de mundo formada tanto de uma trajetória de vida única, quanto de disposições estruturais compartilhadas.

Repletos de satisfação encerramos esta etapa do prêmio. Agradecemos a todos que de alguma forma colaboraram com o nosso êxito.


Referências

1. ADÚN, Mel. Lugares e impasses do literário. In: Jornada Literária de Autoria Negra: percursos contemporâneos, 3, 2016, Brasília. Universidade de Brasília. 1 jun. 2016. Disponível em: <https://www.facebook.com/events/1700882716845610/permalink/1710544172546131/>. Acesso em: 1 jun. 2016.


2. BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Índice de vulnerabilidade juvenil à violência e desigualdade racial 2014. Brasília: Presidência da República, 2015.


3. DALCASTAGNÈ, Regina. Por que precisamos de escritoras e escritores negros? In: SILVA, Cidinha da. Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2014.


4. GUIMARÃES, Geni. Leite de peito. Belo Horizonte: Mazza edições, 2001.


5. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2002.


6. PEREIRA, Alexandre Barbosa. In: BRUM, Eliane. Os novos vândalos do Brasil. El País, 2013.


7. SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

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